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12. A Representação da Saúde na história da Educação Física
RESUMO
As representações sociais da saúde na perspectiva histórica da Educação Física são decorrentes das práticas sociais na combinação de aspectos culturais e ideológicos e nas noções de ordem psicológica, tais como imagem e pensamento. Assim sendo, essas noções em torno da saúde são construções e abstrações através de processos psicossociológicos. O presente estudo se constitui de uma pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório, realizada a partir de textos de livros sobre a história da Educação Física. Nosso objetivo é explicitar como ocorreu o processo de construção das representações sociais da saúde na história da Educação Física. Pode-se constatar que as representações sociais da saúde aparecem no contexto histórico da Educação Física como um elemento central de discussões até hoje realizadas nesta área do conhecimento. A saúde tem sido a representação que mais contribuiu para os questionamentos sobre qual é o verdadeiro papel da Educação Física na nossa sociedade.
Palavras - Chave: Saúde, Educação Física, Representações Sociais.
INTRODUÇÃO
A história da Educação Física foi representada por três marcantes momentos, consolidando, em toda sua trajetória, um conjunto de representações sociais construídas principalmente como a responsável pela “promoção da saúde” através da prática de atividades físicas, recreativas e esportivas. Concepção hegemônica que parece perdurar até os dias de hoje.
O primeiro momento foi o compreendido do final do século XIX (1889) – quando de sua entrada ao Brasil, através dos métodos analíticos importados da Europa – estendendo-se durante toda metade do século XX e anos de 1970, concebida como concepções ou tendências pedagógicas da Educação Física. O segundo se constituiu a partir da abertura política com o fim da ditadura militar da década de 1980, denominando-se “Movimentos Renovadores” da Educação Física, que por sua vez representou um período de reformulação e redefinição de seu papel político-pedagógico na escola e na sociedade. E o terceiro, marcado pelo surgimento nos anos de 1990, com a efetivação das concepções propositvas da Educação Física, denominadas Crítico-Superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992) e Aptidão Física (1994).
Dialeticamente antagônicas, essas duas proposituras convivem em permanente confronto, construindo concepções idealizadas sobre qual deveria ser o papel da Educação Física no Brasil.
Não estamos aqui em busca de uma opinião formada sobre o problema, mas de propomos a realização de um estudo sobre a Educação Física, verificando principalmente, em seu contexto histórico, como vêm sendo construídas concepções idealizadas para percebê-la ainda hegemonicamente como área encarregada de “promover a saúde” por meio da prática de atividades físicas, recreativas e esportivas. De fato, quais foram as motivações que a levaram a ser assim concebida? Como a saúde aparece no contexto histórico da Educação Física?
Este estudo se constituiu de uma pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório, realizada a partir de leituras de textos de livros tomando como material para análise a história da Educação Física e discussões sobre seu contexto atual, particularmente de suas representações que a definem como área encarregada no meio social e escolar de garantir e promover a saúde através de práticas físico-corporais.
Dessa forma, nos propomos a fazer um recorte de como ocorreu o processo de construção das representações sociais da saúde na história da Educação Física, permitindo-lhes uma posição de destaque nas principais discussões nesta área do conhecimento. Atualmente, como essas representações são produzidas, reproduzidas e ressignificadas no meio social?
Nossa hipótese é a de que, mesmo com surgimento de consideradas discussões críticas e progressistas da Educação Física no Brasil, rediscutindo o seu papel social e político-ideológico, esta área parece ser, ainda hoje, concebida hegemonicamente no imaginário da sociedade brasileira como área não apenas inserida ao campo da saúde, mas também como responsável pela melhoria da saúde das pessoas através daqueles seus conteúdos.
Para a realização desta pesquisa, tomamos como base o conceito de representações sociais da Psicologia Social de Moscovici (1961). Antes, porém, em função de sua fluidez conceitual, tornou-se importante fazermos um levantamento entre diferentes autores que tratam sobre o assunto, com o propósito de melhor delimitamos nossa análise.
Posteriormente a esse levantamento conceitual, buscamos fazer um estudo das representações sociais da saúde na história da Educação Física, tomando como tempo/espaço para a investigação as concepções e tendências pedagógicas da referida área, desde seus primórdios aos dias atuais.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E A BASE CONCEITUAL DA PEQUISA
Tomar como referência o conceito de representações sociais para fundamentar uma determinada pesquisa não é tarefa fácil. De fato, o embaraço para entendê-lo se justifica por sua fluidez e complexidade. O próprio Moscovici já dizia que uma das razões dessa dificuldade de fato seria a representação um conceito híbrido confluindo noções de origem sociológica, como a cultura e a ideologia e noções de ordem psicológica, tais como imagem e pensamento (Silva, 2007). Esse conceito é peculiar e pode ser classificado de um conceito eminentemente psicossociológico.
Nossa pretensão, nesse momento, é o de fazer um recorte sobre o conceito de representações sociais para este estudo. Neste sentido, recorremos à noção de representações sociais no campo da Psicologia Social como centralidade do estudo. Antes porém, torna-se importante elucidar algumas questões pontuais sobre a temática a partir de alguns autores, porque são muitos e distintos os conceitos apresentados por estudiosos de várias áreas do conhecimento.
Embora o termo “representação” seja utilizado desde a Antiguidade através das investigações filosóficas com os mais variados sentidos, a expressão “representação social” vai aparecer pela primeira vez na sociologia, com Durkheim por volta de 1897. Afirma-nos Silva (2007, p. 3), que na Psicologia Social, “(...) o interesse pelo fenômeno descrito por Durkheim como representação coletiva surgiu com a investigação de Serge Moscovici (1961), intitulada Representação Social da Psicanálise” (Idem, p. 3), o qual desejava responder a questão: em que se transforma uma disciplina científica quando passa do domínio dos especialistas para o grande público? O estudo foi imprescindível para uma mudança nas análises teóricas dos determinantes do comportamento social (Idem, p. 3).
Segundo Jodelet (1985) apud Spink (1993, p. 300), em sua definição clássica, representações sociais “(...) são modalidades de conhecimento prático orientadas para a comunicação e para a compreensão do contexto social, material e ideativo em que vivemos”. Acrescenta dizendo que consequentemente são “(...) formas de conhecimento que se manifestam como elementos cognitivos, imagens, conceitos, categorias, mas que não se reduzem aos componentes cognitivos” (Idem, p. 300). Isto porque as representações são resultado de práticas socialmente compartilhadas e elaboradas a partir das relações de trocas nas convivências entre as pessoas. Os componentes cognitivos nesse caso servem como espaço de subjetivação daquilo que se constrói no espaço social. As representações não é a realidade, mas são abstrações do que ela é ou do que está muito próximo do real no campo simbólico e ideológico construídos a partir do seu contexto.
De acordo com Moscovici (1961, p. 27-28), a representação social,
(...) é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam a realidade física e social inteligível, se inserem num grupo ou numa relação cotidiana de trocas, liberam o poder da sua imaginação.
Endossando as palavras de Moscovici, Arruda (2007) nos esclarece que a representação social ao ser simbólica e balizar o mundo, ela provém de um sujeito ativo e criativo, tem um caráter cognitivo e autônomo e configura a construção social da realidade. Ação e comunicação são o seu berço e chão, delas provindo e retornando a representação social.
Devemos considerar também a cultura ao nos referirmos as representações sociais porque são formadas, na sua grande maioria, de tudo aquilo que culturalmente se acumulou ao longo da história. A memória e a identidade da própria sociedade são formadas a partir do fundo cultural o qual circula pela sociedade por meio das crenças compartilhadas, dos valores, das referências históricas e culturais (Silva, 2007).
Justificamos nossa opção pelo conceito de representação social para fundamentar nosso estudo sobre as representações da saúde construídas na perspectiva histórica da Educação Física, por ela ocupar um espaço significativo no quadro teórico e metodológico de diversas áreas das Ciências Sociais, além da leitura elaborada pela Psicologia Social.
Dessa maneira, as representações sociais da saúde na perspectiva histórica da Educação Física são decorrentes das práticas sociais na combinação de aspectos culturais e ideológicos e nas noções de ordem psicológica, tais como imagem e pensamento. Assim sendo, essas noções em torno da saúde são construções e abstrações através de processos psicossociológicos.
EDUCAÇÃO FÍSICA: HISTÓRIA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Representações sociais da saúde nas concepções pedagógicas da Educação Física da primeira metade do século XX
Realizar um levantamento panorâmico referente à história da prática educativa da Educação Física no Brasil, do final do século XIX (1889) até um pouco mais de meados do século XX (1979), é constatar a existência de várias tendências pedagógicas, que Guiraldelli Jr. (1992) classifica nas seguintes concepções: Higienista, Militarista, Pedagogicista, Competitivista e a Popular. Analisaremos cada uma dessas concepções delimitando-as e caracterizando-as para um melhor entendimento de como ocorreu o processo de construção das representações sociais da saúde nessas concepções como área encarregada, através das práticas de atividade física e esportivas, de cuidar da “saúde”, de valores “cívicos” e “morais” dos sujeitos sociais.
Concepção Higienista
A Educação Física Higienista surge no Brasil em fins do século XIX. Percorrendo mais de 40 anos de existência, essa concepção é implementada pelo liberalismo burguês, que acreditava resolver os problemas sociais enfrentados pela sociedade brasileira através da escola. “O inchaço das cidades, a formação de bairros insalubres, a proliferação de doenças infecciosas provindas das precárias condições de vida forjadas por um capitalismo atabalhoado colocaram as elites atônitas” (Idem, p. 22). O pensamento liberal da época não atribuía os inúmeros problemas enfrentados pela sociedade brasileira ao seu modelo sócio-econômico, mas ao analfabetismo e a falta de escolarização da população. A grande concentração de pessoas em um só setor, o aumento de doenças e as péssimas condições de vida constatada nos bairros operários estavam relacionados à “ignorância do povo”.
Diante desse quadro social, dissemina-se a noção de que essa sociedade precisa, urgentemente, adquirir hábitos higiênicos no seu dia-a-dia, garantindo que fiquem longe de doenças e sempre sadias.
Entretanto, por outro lado, a intenção da classe dominante seria a de se utilizar da educação, das atividades físicas e do desporto com o intuito de forjar seus interesses às outras classes através das aulas de Educação Física. Neste caso, enquanto o poder via a prática de atividade física e esportiva como meios relevantes para a sedimentação de suas idéias de dominação, as outras classes, viam realmente essas práticas como algo que poderia garantir saúde.
A Educação Física não era considerada como disciplina pedagógica, mas como um instrumento capaz de promover a saúde das pessoas. Representava a própria extensão dos órgãos de saúde na escola.
Concepção Militarista
A Educação Física Militarista, inspirada pelo movimento fascista, surge em 1931, como disciplina obrigatória nos cursos secundários. Esta foi expandida nas escolas, visando “aperfeiçoar os indivíduos” e promover a “saúde da Pátria”. De fato, tal concepção postula que é possível homogeneizar o povo através das atividades físicas e do desporto, independente de suas diferenças étnicas.
Essa concepção nazi-fascista é forjada a partir de 1933, com o surgimento da escola de Educação Física do Exército, na qual é totalmente tomada por uma Educação Física inspirada nos moldes da caserna. Com isto, passa a reforçar ainda mais os interesses de se obter, através de exercícios, pessoas mais fortes e mais saudáveis em condições de defenderem sua pátria.
Todavia, vale ressaltar que a Educação Física Militarista, mesmo revelando ter ligações com a Educação Física Militar não significa dizer que são sinônimas, porque não estava respaldada propriamente em seu cunho militar, mas sim, na aceitação de um pensamento autoritário e politicamente reacionário que desde os anos 1910 rondava a caserna (Idem, p. 38).
A preocupação central da tendência militarista tinha como referencial a saúde individual e coletiva, constituindo-se em uma das metas principais, como ocorreu na concepção higienista. A representação aparente da concepção militarista era a de obter uma juventude capacitada para suportar o combate, a luta, a guerra. Assim sendo, pregava um tipo de Educação Física selecionista, porque os mais fortes, os ditos mais aptos estariam com mais condições de praticá-la. Aqui, a Educação Física apresenta-se como colaboradora do processo de “seleção natural” passando a valorizar e evidenciar os mais “fortes” em detrimento dos mais “fracos”.
O que constatamos mais uma vez é que o verdadeiro sentido não está totalmente esclarecido na concepção militarista. Se para a sociedade da época o sentido atribuído era a busca do corpo saudável, forte e apto, para a classe dominante era mais uma vez o controle das massas no sentido de facilitação do processo de dominação através do disciplinamento do corpo para atender aos interesses daqueles que detinham o poder. Mais uma vez, a representação da saúde aparece de acordo com o lugar e com a posição social de quem a vê.
Concepção Pedagogicista
No período pós-guerra, compreendido de 1945 a 1964, surge a Educação Física Pedagogicista. Representou um avanço em relação às concepções anteriormente assinaladas, pelo fato de ter considerado a Educação Física uma disciplina escolar. Num contexto mais crítico, podemos afirmar que havia um mascaramento dos antagonismos existentes entre as classes sociais. Constituía-se, portanto, numa Educação Física neutra, ou seja, desvinculada de um contexto sócio-histórico. Sua preocupação não era a de ofertar uma formação crítica para a juventude brasileira, mas de mantê-la fora do processo de construção de uma nova consciência capaz de promover a reflexão sobre a realidade social e de não permitir uma diminuição das injustiças e desigualdades da época.
De fato, a Educação Física Pedagogicista, respeitada acima das questões políticas e dos interesses inerentes de cada grupo ou classe social foi implantada na escola pública para fortalecer e encobrir as desigualdades, alterando e limitando a prática da disciplina e a postura do professor. Alterações que vão destacar a Educação Física frente às demais disciplinas, as consideradas “instrutivas”. Seu papel foi o de cuidar dos casos em que não diziam respeito às outras disciplinas, as denominadas “instrutivas”, isto é, as destinadas a cuidarem do ensino formal do currículo.
Essa concepção, enquanto matéria da escola conduziu o professor apenas a se preocupar com as atividades extras que não faziam parte do currículo, como por exemplo, cuidar das fanfarras, organizarem os desfiles cívicos, executar os jogos escolares, promover as gincanas, servir, quando necessário, como tapa-buracos de horários ociosos deixados por outras disciplinas, entre outras funções do gênero.
A tendência em questão, em seu caráter neutro, é quem vai chamar atenção da sociedade para o fato de que a Educação Física não deve apenas funcionar como a responsável pela promoção da saúde ou de disciplinar a juventude, mas deve-se encará-la como uma prática educativa. Portanto, o sentido a ela atribuído se diferencia das tendências anteriores porque propõe uma disciplina preocupada com os aspetos também educacionais.
Concepção Competitivista
No início dos anos 1960-1970, constatamos que houve um fortalecimento da idéia liberal a respeito da neutralidade em relação aos conflitos sociais. Com o surgimento da Educação Física Competitivista, consolidava-se a concepção que iria privilegiar o Treinamento Desportivo, tornando o “desporto de alto nível” o principal paradigma da Educação Física na escola.
O exagero pela competição, o fortalecimento do individualismo, a busca incessante e a qualquer custo pela vitória são neste momento histórico algumas das marcantes representações veiculadas pela Educação Física. Não diferente das anteriores, essa tendência faz vistas grossas aos conflitos político-sociais, considerando como mais importante o “vencer”. O conteúdo de ensino passa a ser oficialmente o desporto de rendimento ou alto nível, reforçando a noção de que todos podem, independentemente das desiguais oportunidades, praticá-lo a ponto de um dia também chegar ao topo. A conquista do podium nos esportes serve como metáfora para “o vencer” na vida.
Implicitamente podemos verificar que o elemento saúde é evidenciado, porque praticar desporto de alto nível é só para quem tem condições físicas e emocionais, alimentação de qualidade, tempo suficiente, entre outras variáveis substanciais, o que nos permite deduzir que nem todos terão condições de praticá-lo se considerarmos que nem todos os sujeitos sociais dispõem ou acessam de maneira igual os recursos.
Concepção Popular
Ao contrário das concepções anteriormente citadas, a Educação Física Popular revela uma produção teórica ampla e de fácil acesso. Podemos afirmar, com cautela, que a Concepção Popular se sustenta quase que exclusivamente numa “teorização” transmitida oralmente entre as gerações de trabalhadores deste país. Considerável parte dos documentos (jornais, revistas, etc.) do movimento Operário e Popular, que poderiam conter uma “teorização” ou pelo menos um relato das práticas de Educação Física autônoma dos trabalhadores não escapou aos olhos vigilantes e a incineração das classes detentora do poder. Entretanto, do material existente é possível resgatar uma concepção de Educação Física que, paralela e subterraneamente, veio ao longo do século XX se desenvolvendo contra as concepções inerentes à ideologia dominante.
A Educação Física Popular não está preocupada com a saúde pública, pois entende que tal questão não pode ser discutida desvinculada da problemática forjada pela atual organização social, econômica e política do país. A Educação Física Popular não pretende ser disciplinadora dos sujeitos sociais e muito menos está voltada para o incentivo da busca por medalhas. Ela é, antes de tudo, ludicidade e cooperação, e nesse sentido o desporto, a dança, a ginástica, etc., assumem um papel de promotores de organização e mobilização dos trabalhadores.
Essa concepção também não se mostra com a pretensão “educativa”, no sentido em que esta palavra é usada pelas demais concepções. Ela pretende que a educação dos trabalhadores esteja intimamente ligada ao movimento de organização das classes populares para o embate da prática social, ou seja, para o confronto cotidiano imposto pela luta de classes.
As representações sociais da saúde nos Movimentos Renovadores da Educação Física na década de 1980
A década de 1980, palco das transformações político-sociais e redemocratização da sociedade brasileira é marcada pelos seus principais movimentos: “Anistia política” e “Diretas já” em 1984, a nova Constituição de 1988 e as eleições para presidente da República em 1989.
A Educação Física, por estar inserida no contexto educacional, apresenta também os seus movimentos com o objetivo de garantir sua efetivação. De fato, surgem como principais movimentos a Psicomotricidade, o Humanista e o Esporte Para Todos (EPT). Cabe-nos neste momento fazer uma análise das representações da saúde nestes movimentos.
O Movimento Psicomotricista
O primeiro estudo a ser explicitado sobre os movimentos renovadores da Educação Física na década de 1980, diz respeito ao “Desenvolvimento Psicomotor” de Jean Le bouch. A psicomotricidade tem como variante a Psicocinética, considerada uma teoria geral do movimento que utiliza na formação do sujeito a estruturação do esquema corporal e as aptidões motoras.
A metodologia da educação pelo movimento, ao identificar-se com a psicocinética, respeitará a estrutura corporal das crianças de acordo com as suas faixas etárias. Neste caso, existe a possibilidade de uma ação educativa que a partir dos movimentos naturais da criança e das atitudes corporais, favorece a originalidade da imagem corporal.
Entretanto, para que ocorra uma ação educativa que considere os movimentos espontâneos da criança, sugere-se primeiro um entendimento da terminologia de formulação de finalidades em psicomotricidade. Pois a educação psicomotora diferencia-se da terapia psicomotora. A primeira compreende uma formação básica a todas as crianças, independentemente de apresentaram ou não algum tipo de distúrbio, prestando-se a duas finalidades: assegurar o desenvolvimento funcional e ajudar na expansão da afetividade e equilíbrio, através da relação humana. A segunda destina-se aos problemas afetivos ou relacionais. Trata-se de uma proposta de uma educação psicomotora que conheça e considere o nível de desenvolvimento da criança.
A corrente educativa fundamentada na psicomotricidade surge da necessidade de uma educação real do corpo, pelo fato da Educação Física da época não ter apresentado condições suficientemente coerentes com as necessidades integradas do ser humano durante os anos de 1950 e 1960.
No ano de 1951, a educação encontrava-se dentro de uma visão dualista na qual apresentava duas preocupações: exigência da performance, num caráter mecanicista e a outra pelo controle e comando psicomotor. A partir de 1952, surge o primeiro conceito de uma Educação Física adequada de acordo com sua faixa etária. Na tese de medicina, “Lês facturs de la valeur motrice”, em 1960, Le Bouch, alertava a possibilidade de se trabalhar dois sistemas funcionais diferentes através do trabalho corporal: “os fatores de execução”, dependentes de dois sistemas: muscular e de nutrição os quais interferem no sistema motor; e o sistema central, encarregado de controlar os demais sistemas e que é útil como suporte das funções mentais.
Constata-se que a corrente educativa em psicomotricidade, originada a partir de 1951, representou um importante passo para o surgimento da psicocinética, em 1966, como orientação na educação do corpo.
O Movimento Humanista
O Movimento Humanista foi formulado pelo autor Vitor Marinho de Oliveira (1985), em seu livro “Educação Física Humanista”, o qual faz opção pela psicologia centrada no cliente de Carl Rogers como fundamentação teórica de sua proposta.
Após uma exposição detalhada da Psicologia Humanista e de suas implicações pedagógicas no processo ensino-aprendizagem da educação, o autor vai discorrer sobre a proposição da Educação Física Humanista levando-se em consideração os seguintes pontos: aprendizagem significativa e a Educação Física Escolar o potencial criativo e a Educação Física Escolar; a individualidade e a Educação Física Escolar; o jogo e a Educação Física Escolar; o exercício natural e a Educação Física Escolar; e a liberdade e a Educação Física Escolar.
O Esporte Para Todos (EPT)
O movimento renovador Esporte Para Todos (EPT) foi apresentado por Dieckrt (1985). Surge por se contrapor ao esporte de rendimento o qual vinha sendo desenvolvido nas aulas de Educação Física escolar. Essa contraposição é reforçada a partir do momento em que o autor apresenta as características do esporte a ser praticado por atletas de alto nível e do tipo de esporte a ser desenvolvido para todos.
A idéia é a de que se de um lado o esporte de rendimento impõe regras de nível internacional, voltado pra pessoas aptas (atletas) a realizá-lo, por outro se dispõe do EPT, que voltado como proposta ao atendimento de todos, apresenta-se desvinculado de performances meramente técnicas podendo ser praticado por todas as idades para a melhora da qualidade de vida através da prática de atividades físicas, recreativas e esportivas.
Nesse sentido, nas aulas de Educação Física, o esporte é o conteúdo eleito para garantir a participação de todos nas atividades corporais. A tentativa e conquista de renovação dessa disciplina na escola, segundo o movimento EPT, será possível à medida que procurar adaptar o esporte de alto nível no sistema de ensino, incluindo a cultura corporal do povo brasileiro no currículo. Neste caso, haveria a possibilidade de se descobrir o fenômeno do corpo, do movimento e do jogo.
O Movimento EPT, apresenta-se como uma proposta alternativa em relação ao esporte de rendimento. Para tanto, este esquema teórico considera o ser humano como elemento central, pois é ele que faz o esporte e não o contrário. Assim, no meio educacional e, em particular, na Educação Física, as aulas deixam de ser centradas no professor passando a serem centradas no aluno, considerando o educando como sujeito do (e no) processo.
Educação Física hoje e as Representações Sociais
Dos diferentes entendimentos que se tem acerca do que é ou deva ser a Educação Física, resultam diferentes pressupostos teórico-metodológicos para o seu ensino na escola.
Atualmente podemos identificar o predomínio de concepções na Educação Física brasileira. Para Castellani Filho (1994), são três as perspectivas que hoje encontram na Educação Física maior significância: a) uma, que se encontra na sua biologização, ou seja, ocupa-se dos aspectos biológicos da Educação Física; b) outra, que se percebe na sua psicopedagogização, ocupando-se dos aspectos psicológicos e pedagógicos do ensino da Educação Física; e c) proposta de uma prática pedagógica transformadora, preocupando-se com os aspectos simbólicos das diferentes manifestações da Educação Física.
De fato, a sociedade, a escola ainda hoje, concebe essa área e seu profissional, na escola e fora dela, como a responsável pela garantia da saúde das pessoas por meio de práticas esportivas e de atividades físicas. Tais noções são fortemente reforçadas pela mídia, sobretudo a televisionada, porque, geralmente, quando são realizadas entrevistas e documentários em programas esportivos ou jornalísticos sobre a profissão com ou sem a presença do professor de Educação Física, estas se referem a aspectos sobre atividade física e saúde, detecção de talentos ou outras matérias do gênero que nos permite fazer determinadas leituras de uma área permeada de representações em torno da qual a sociedade constrói concepções idealizadas sobre a Educação Física.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história da Educação Física no Brasil nos mostra que o termo “saúde” tem sido hegemonicamente uma das mais expressivas representações sociais já construídas sobre esta área do conhecimento. Concepção idealizada que perdura até os dias de hoje a qual é ressignificada nos meios de comunicação, entre professores da área, na escola nas aulas de Educação Física, entre outras instâncias da sociedade em que determinadas práticas físicas e esportivas seja reproduzidas.
Desde sua entrada em nosso país, nos fins do século XIX (em torno de 1889), importando um modelo ginástico europeu, essa área do conhecimento, inicialmente exercida pelos médicos, incorporou uma concepção biologicista de homem. Havia a noção (e ainda há) de que pelas práticas regulares de atividades físicas, esportivas e através da aquisição de hábitos higiênicos os sujeitos sociais podem usufruir de melhor qualidade de vida, independente das desigualdades sociais e econômicas da época que assolavam sobremaneira o povo brasileiro.
Não levar em conta esses problemas foi uma manobra político-ideológica, como forma de o poder da época desviar as atenções do povo sobre os problemas de saúde pública em que estava vivendo a nação. Neste sentido, o governo ao mesmo tempo em que passava a idéia de que cada um devesse se cuidar para não adquirirem doenças escamoteava as ineficientes políticas de combate às epidemias vivenciadas no começo do século XX.
Depois de 1930, a idéia de Educação Física, pautada numa concepção higiênica, não consegue mais atender aos interesses da manobra do poder vigente, permitindo que os militares assumissem o controle sobre essa disciplina na escola. De fato, os médicos a partir deste período saem de cena, evidenciando-se a concepção militarista, representada pela idéia do corpo disciplinado, robusto e saudável em defesa pátria. Mais uma vez as atenções do povo são desviadas dos reais problemas sociais. Não havia espaço para a mobilização popular.
Depois da primeira Escola de Educação Física do Exército, surgem os primeiros professores de Educação Física.
De fato, ainda hoje, o esporte e as atividades físicas são os conteúdos mais ofertados no contexto escolar durante as aulas de Educação Física. Essa sua quase exclusividade vem sendo, desde os anos 1980, alvo de severas críticas por parte de estudiosos da área da ala progressista, por entenderem que muitos outros conteúdos da Cultura Corporal, como por exemplo, a ginástica, as lutas, a dança, etc., ficaram esquecidos pelos educadores do referido campo de estudo.
A abertura política da década de 1980 e o início dos anos de 1990 possibilitaram uma rediscussão do papel político-pedagógico do profissional daquele campo de estudo na sociedade. No primeiro momento, com a queda da ditadura militar, ocorreu a abertura política, significando um momento de renovação dos quadros conceituais, teóricos e metodológicos. Discutiu-se e se propôs uma prática idealizada nos moldes de uma Educação Física Humanista, Psicomotricista e a do Esporte Para Todos (EPT), entendidas como movimentos referendados em teorias neutras, por não terem contemplado em seu discurso as questões histórico-sociais.
No segundo momento, surge um grupo de intelectuais da área, o qual propõe uma Educação Física fundamentada no materialismo histórico dialético, se posicionado contrários a tudo que tem sido formulado até hoje, principalmente contrapondo-se ideologicamente a abordagem hegemônica e ainda atual, denominada de “Aptidão Física e Saúde”.
Esses fatos históricos parecem ter determinado o conjunto de representações que perduram até hoje. De um lado, os que defendem e cristalizam a idéia de que a Educação Física é a área do conhecimento responsável pela melhoria e qualidade de vida do povo, e que, portanto pautam-se nos conhecimentos da saúde. Do outro, aqueles percebem a Educação Física como espaço que deve contribuir para o processo de transformação da sociedade através da oferta de conteúdos como jogos, lutas, dança, ginástica, esporte, etc., coisa que quem está preocupado apenas com os aspectos voltados para o desenvolvimento da saúde não podem dar conta desse papel.
Diante do exposto, podemos constatar que as representações sociais da saúde aparecem no contexto histórico da Educação Física como um elemento central de inúmeros embates e discussões em suas produções teóricas e encontros até hoje realizados nesta área do conhecimento. A saúde tem sido a representação que mais contribuiu para os questionamentos mais duradouros sobre qual é o verdadeiro papel da Educação Física na e pra a sociedade.
Apesar do modelo hegemônico de Educação Física percebido na sociedade, na escola, na mídia e pelos profissionais da saúde parecem serem ainda o de “promoção da saúde”, em função de um conjunto de representações que foram se construindo e se cristalizando ao longo nesses diferentes segmentos sociais.
Apesar dessas inúmeras discussões que vem sendo proporcionadas sobre o tema em pauta, podemos afirmar que o “corpus organizado de conhecimentos” ainda hoje se baliza por uma construção social da realidade da Educação Física voltada majoritariamente como responsável pela promoção da saúde através das práticas de atividades física, recreativas e esportivas.
Assim sendo, o meio social, a escola, os meios de comunicação, a própria Educação Físca e outros espaços da sociedade, através dos homens, no agir e na comunicação, ressignificam a noção de que a Educação Física não apenas cuida da saúde mais também a promove.
REFERÊNCIAS
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Sobre o autor:
1. Lucas Vieira de Lima Silva é Professor do Curso de Educação Física da Universidade Regional do Cariri - URCA (vieira11silva@hotmail.com).
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