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11. Doador voluntário ou de reposição? Fatores determinantes para um doador de reposição tornar-se doador voluntário de sangue
RESUMO
A insuficiência nacional em sangue é uma realidade difícil que mobiliza os órgãos da saúde nacionais, na tentativa de transformá-la. Foram investigados os fatores determinantes para um doador de reposição tornar-se doador voluntário de sangue, objetivando identificar os motivos e razões que os impulsionaram a essa ação. Este é um estudo exploratório descritivo de caráter qualitativo, realizado no período de março a outubro de 2004. A pesquisa teve como amostra oito doadores que retornaram ao Hemonúcleo/Juazeiro do Norte como voluntários, tendo a primeira doação classificada como de reposição. Na obtenção dos dados utilizamos a entrevista. Os resultados demonstraram que as razões e motivos determinantes na decisão de se tornar voluntário, esteve ligado à solidariedade, benefícios, retribuição, responsabilidade cidadã, medos sanados e receptividade no serviço de hemoterapia. Desta forma fica evidente a importância de campanhas de captação e fidelização de doadores como meio direto de orientar e sensibilizar, com a finalidade de chegarmos um dia, a auto-suficiência em sangue.
Palavras-chaves: doação de sangue, doador voluntário, enfermagem.
INTRODUÇÃO
O sangue é um líquido orgânico que desde a antiguidade permeia o imaginário das mais diferentes culturas e religiões. Confundido com a própria vida, fascina e intriga, especialmente aos estudiosos das ciências médicas, sempre empenhados em desvendar os mistérios deste mítico elemento (AMORIM FILHO, 2000).
Os avanços da tecnologia e medicina transfusional vem otimizar o uso do sangue, que nos - Hemocentros - espalhados pelo país, são coletados, processados, analisados e liberados, fazendo com que uma bolsa de sangue total seja fracionada em seus elementos, e sua aplicação aconteça em situações específicas (BRASIL, 2002).
Este processo de fracionamento proporciona que componentes sanguíneos como as hemácias, possam ser administradas em casos de grandes sangramentos e anemias; as plaquetas em pessoas com comprometimento do processo de coagulação, leucemias e outros tipos de câncer; o plasma e fatores de coagulação servem aos portadores de hemofilia, e a albumina é utilizada nos grandes queimados para a restituição desta proteína (PHILLIPS, 2001).
Todos os hemocomponentes e hemoderivados dependem exclusivamente do ato da doação, ficando iminente a sua importância considerando que o índice brasileiro de doadores é de 1,74% da sua população (BRASIL, 2003).
No Brasil, a Lei 10.205 sancionada em 21 de março de 2001 estabelece os critérios de controle necessários às ações que envolvem o sangue, seus componentes e hemoderivados, impulsionando o cumprimento de uma Meta Mobilizadora Nacional na busca da auto-suficiência do país em hemocomponentes. Nessa perspectiva o país também criou o Sistema Nacional de Sangue (SINASAN) que delimita as responsabilidades dos governos nas esferas federal, estadual e municipal visando a garantia de controle e qualidade do sangue seus hemocomponentes e hemoderivados aliado as ações das vigilâncias sanitária e epidemiológica (BRASIL, 2002).
Infelizmente a doação de sangue ainda é um tema pouco abordado, e há uma dificuldade bibliográfica especialmente no tocante as percepções, razões e motivos que levam os indivíduos a tornarem-se doadores especiais, tema abordado nesta pesquisa.
Assim, o estudo pretende levantar fatores determinantes na decisão de doadores de reposição tornarem-se doadores voluntários de sangue, levando em consideração os importantes atores sociais que estes representam. E assim contribuir com os serviços da Hemorrede na árdua tarefa de captação de doadores voluntários especiais.
O presente estudo teve como objetivo identificar os fatores determinantes na decisão de um doador de reposição tornar-se doador voluntário de sangue e verificar as razões e motivos que levaram os doadores em questão a tornarem-se doadores voluntários especiais.
REVISÃO DA LITERATURA
- A hemoterapia no Brasil
No Brasil, a doação de sangue iniciou-se na década de 1920 onde eram realizadas doações braço-a-braço, no Laboratório de Análises Clínicas dos Doutores David Moreira, Nelson Castro Barbosa e Oswino Pena, onde também ocorria o treinamento de profissionais em hemoterapia (SANTOS, 1991 apud MOURA, 2003).
Na década de 1940, houve a estruturação do primeiro Banco Nacional de Sangue do Instituto Fernandes Figueira em 1943. Um ano mais tarde surge no Rio de Janeiro o Banco de Sangue da Lapa, hoje HEMORIO – Hemocentro do Rio de Janeiro (AMORIM FILHO, 2000).
Foi nesta época, diante da inquietação da comunidade científica envolvida em hematologia, que criou-se em 1949 a Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (MOURA, 2003).
Com o crescimento dos bancos de sangue públicos e privados, abastecidos na maioria das vezes, por doadores remunerados, seguidos pelos de reposição; é sancionada em 27 de março de 1950 a Lei nº 1.075 que incentivava a doação voluntária de sangue (SOLEIS, 2004).
Porém, a doação e transfusão de sangue ocorriam sem qualquer regulamentação e fiscalização. Em junho de 1965 foi sancionada a Lei nº 4.071 que dispôs sobre a atividade hemoterápica no Brasil, utilizada como base para a Política Nacional de Sangue (BRASIL, 1965 apud MOURA, 2003).
Um grande salto na Política Nacional de Sangue e Hemoderivados se deu em 1980 quando a criação do Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados (PROSANGUE), do Ministério da Saúde, objetivou a implantação de Hemocentros, a organização da rede de distribuição e utilização, industrialização e comercialização de sangue e hemoderivados, devidamente normatizada, além da promoção de pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos. (BRASIL, 1981 apud MOURA, 2003).
Foi na década de 80, com o advento da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) e a comprovação da sua transmissão pelo sangue, que os laboratórios de sorologia destinaram-se a realização de testes no sangue doado, desvendando também outros agentes infectantes, como o vírus da Hepatite C e do Vírus Linfotrópico T Humano-HTLV, (AMORIM FILHO, 2000).
Em 21 de março de 2001 a Lei nº 10.205 “A Lei do Sangue” vem ratificar a proibição da comercialização do sangue e hemoderivados (BRASIL,2002).
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), citada por Carrazzone et al (2004) traz na Resolução nº 343 de 2002 do Ministério da Saúde a determinação da realização obrigatória de exames de alta sensibilidade em todas as doações.
- A doação de sangue
Todos os hemocomponentes e hemoderivados são necessários à manutenção diária de vidas, os mesmos são originados unicamente da doação de uma unidade de sangue. Como cita a Lei nº 10.205/01 este ato deve ser voluntário, anônimo, altruísta e não remunerado, direta ou indiretamente (BRASIL, 2002).
Os doadores de sangue segundo Lopes (2000) podem ser classificados como: espontâneos ou voluntários, de reposição - doam a fim de repor o estoque da unidade hemoterápica requisitada, e os doadores específicos são também chamados de dirigidos ou personalizados, doam para receptores pré-determinados. Existem ainda os doadores autólogos, que doam seu próprio sangue para que o seja posteriormente transfundido, também chamada de auto-transfusão, e os doadores de aférese que ao invés de doar sangue total, contribui com a retirada de apenas um de seus componentes por procedimento e aparelhagem específica.
A doação de sangue é regulamentada pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da ANVISA, que constituiu através da RDC nº 153 de 14 de junho de 2004 o regulamento técnico para os procedimentos hemoterápicos, incluindo a coleta, o processamento, a testagem, o armazenamento, o transporte, o controle de qualidade e o uso humano de sangue, e seus componentes, obtidos do sangue venoso, do cordão umbilical, da placenta e da medula óssea. Essa resolução é revisada a cada dois anos (BRASIL, 2004).
O primeiro passo na doação é a captação dos doadores, seguido da seleção destes, o que segundo Carrazzone (2004, p.94) é “início propriamente dito da hemoterapia [...] é fundamental afastar pessoas que vivam em maior exposição a risco”. Assim, a triagem hematológica e clínica do doador são as fases iniciais e de grande importância para a segurança transfusional.
A triagem hematológica é realizada a partir da punção digital, colocando-se uma gota de sangue em solução de sulfato de cobre, se a gota se depositar no fundo do recipiente, é descartada a possibilidade de anemia (LOPES, 2000).
A triagem clínica é realizada logo em seguida, por profissional de saúde capacitado, e que deverá por meio de entrevista com o possível doador, levantar dados de modo a definir se o candidato encontra-se apto ou não, e caso haja inaptidão, se esta é provisória ou definitiva. É importante frisar a importância da boa comunicação com o doador, a prestação de informações e a garantia de privacidade e sigilo nos dados coletados (LOPES, 2000).
Ao final da entrevista é feito o exame físico, no qual o profissional irá avaliar o estado geral do doador, a pressão arterial, peso, temperatura, ausculta cardíaca e pulmonar (LOPES, 2000).
Será considerado inapto à doação, os indivíduos que diante da história colhida na avaliação clínica, possua uma ou mais condições de risco, podendo ser consideradas excludentes de forma provisória ou definitiva, pelos critérios de avaliação.
Todo doador deve após liberação do profissional que o avaliou, assinar um termo livre e esclarecido consentindo a doação do seu sangue para qualquer indivíduo que dele necessite e permitindo a realização dos testes pré-transfusionais (BRASIL, 2004).
Na sala de coleta o ambiente deve ser tranqüilo, limpo, climatizado, devidamente equipado com poltronas, homogenizador de sangue e demais materiais necessários para a realização da coleta (BORGES et al, 1999).
As bolsas utilizadas devem ser claramente identificadas. O tempo de validade do sangue vai depender dos aditivos e anticoagulantes da bolsa coletora. No caso do Citrato Ácido Dextrose (ACD) e Citrato Fosfato Dextose (CPD) a validade é de 21 dias; já o Citrato Fosfato Dextose Adenina (CPDA-1) a duração é de 35 dias, para as bolsas suplementadas com salina, adenina, glicose e manitol (CPD/SAGM) a validade sobe para 42 dias (BORGES et al, 1999).
Após a coleta, as bolsas destinadas a produção de plaquetas devem ser mantidas a uma temperatura entre 20 e 24°C, caso contrário a temperatura deverá ser em média 4°C (BORGES et al, 1999).
A triagem sorológica é obrigatória em todas as bolsas doadas. São exames laboratoriais de alta sensibilidade para doenças hemotransmissíveis. Sendo proibido a liberação do sangue total e seus componentes para transfusão antes da realização dos testes para detecção da Hepatite B e C, HIV-1 e 2, Doença de Chagas, Síflis, HTLV-I e II (BRASIL, 2004).
Assim, os hemocomponentes e hemoderivados podem ser utilizados de acordo com a indicação clínica, pois se extrai de uma única doação os elementos necessários a manutenção de várias vidas.
- A enfermagem na hemoterapia
Considerando a busca por uma auto-suficiência em sangue uma constante e que a doação deve ser um ato voluntário e não remunerado, a enfermagem tem grande importância e contribuição a dar à hemoterapia, principalmente no tocante a educação continuada, captação e fidelização de doadores de sangue.
A interação com a comunidade através de parcerias com diversas instituições, associações e meios de comunicação, alavanca diversos projetos de captação, onde podemos citar o Programa Doador do Futuro (MOURA, 2003).
A comunicação é sabidamente uma forma poderosa de estabelecer e manter relações sociais. A base do cuidar em enfermagem também não é diferente, pois, segundo Xavier (2002, p.12) “[...] cuidar implica, pois, conseguir estabelecer com eles [clientes/pacientes] uma comunicação eficaz”.
Ainda refere Xavier (2002, p.12-13) que:
Ao longo de todo o processo da dádiva [doação] de sangue, o lugar onde o doador permanece mais tempo é junto do enfermeiro, pelo que este está numa posição favorável para encorajar o indivíduo a tornar-se um doador benévolo, voluntário e regular. [...] O enfermeiro, ao desempenhar funções na área transfusional, se comunica com o doador de diversas maneiras para além da escuta e da linguagem, como o olhar, o silêncio ou a paralinguagem.
É função do enfermeiro no processo de doação, a direção, planejamento, organização, execução, avaliação das técnicas e atividades de enfermagem específicas na unidade hemoterápica e assistência a sua clientela. Devendo também, perante a equipe de enfermagem, motivar para a manutenção da qualidade do serviço, com conseqüente estimulação ao retorno de doadores, em conseqüência da atenção e orientações adequadas a estes prestadas (BORGES et al, 1999).
A doação inicia-se com a realização da triagem hematológica e anamnese do doador pelo enfermeiro (ou outro profissional capacitado), onde lhes são dadas informações acerca do processo, minimizando ansiedade, assim como obter informações verdadeiras a respeito de suas condições de saúde atuais e pregressas, a fim de aferir a sua aptidão para a doação de sangue (LOPES, 2000).
Na sala de coleta o enfermeiro deve realizar este procedimento respeitando as técnicas de assepsia, com constante monitorização do doador durante o processo, a fim de detectar alterações clínicas, agindo diante destas para promover a manutenção da sua saúde e bem-estar (SALES, 2003).
Na transfusão sanguínea a atuação da enfermagem segundo Borges et al. (1999); Ribeiro et al (2001) e Montes et al (2002), pode ser resumidamente assim descrita:
Na fase pré-transfusional imediata, cabe ao serviço de enfermagem checar os dados da requisição de transfusão com os dados do prontuário do paciente, orientar a este e a sua família sobre o procedimento e realizar anamnese e história de transfusões com suas eventuais reações, registrando em prontuário. Deverão ser colhidas amostras de sangue, as quais devem estar devidamente identificadas com dados do paciente, e em seguida, enviá-las junto a requisição ao banco de sangue em caixa térmica sem risco de contato com material biológico.
Na fase transfusional é necessária a verificação das condições em que foram transportados os hemocomponentes, conferir os dados da bolsa com os da requisição e prontuário do paciente e prazo de validade.
Os sinais vitais da pessoa a ser infundida deverão ser verificados antes do início da transfusão, a fim de compará-los caso haja alguma reação durante o procedimento, estes deverão ser devidamente documentados em prontuário, assim como a transfusão e seu horário de início.
A observação nos primeiros 15 minutos do processo e posterior a esse, deve ser rigorosa, mais deve se manter por todo o tempo de infusão para detecção de sinais de reações adversas; que caso ocorram deve-se proceder com a interrupção da transfusão, iniciando hidratação com soro fisiológico a 0,9%, instalando-se O2 (oxigênio) caso necessário, com elevação de decúbito e comunicação ao médico plantonista.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de cunho exploratório descritivo, que de acordo com Salomon (1996, p.112) “são as que têm por objetivo definir melhor o problema, proporcionar as chamadas instituições de solução, descrever comportamento de fenômenos, definir e classificar fatos e variáveis”.
A opção pelo método qualitativo, deve-se a oportunidade de uma relação direta de forma empática entre pesquisador e sujeitos da pesquisa, facilitando a coleta de dados e a percepção na realização do estudo. Além do mais, o objeto aqui exposto, procura descrever idéias, sentimentos e percepções acerca das opções possíveis de realizar ações de caráter solidário. Portanto, a pesquisa qualitativa é eleita como a capaz de responder tal universo de questionamentos. Minayo (1999, p.28) afirma que o estudo qualitativo: “Certamente, qualquer pesquisa social que pretenda um aprofundamento maior da realidade não pode ficar restrita ao referencial apenas quantitativo”.
A pesquisa foi desenvolvida no Hemonúcleo, situado à cidade de Juazeiro do Norte, após aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa, no período de maio a outubro de 2004. Sendo os sujeitos do estudo oito doadores voluntários especiais de sangue cadastrados na referida Unidade em que a primeira doação foi de reposição, e compareceram a unidade na primeira quinzena seguinte a aprovação e emissão do parecer nº 05/04 do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte (FMJ), período referente aos meses de maio a junho de 2004, e que aceitaram participar da pesquisa voluntariamente.
Os sujeitos da pesquisa foram predominantemente jovens, chegando a somar 62,5% da amostra com faixa etária menor de 30 anos. Com maioria constituída do sexo masculino. São 37,5% estudantes e possuem o ensino médio incompleto. Tendo 50% dos doadores uma renda mensal de dois salários mínimos.
Utilizamos como instrumento de obtenção de dados a entrevista semi-estruturada, mediante consentimento da diretoria da instituição acolhedora.
Os doadores foram abordados no momento da triagem clínica. Vale ressaltar que as estratégias de abordagem ao doador atendem as considerações advindas da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde (BRASIL,1996) no tocante a estudos envolvendo seres humanos.
Na busca de cumprir os objetivos traçados, foi realizada a análise dos relatos colhidos no momento da entrevista, transcritos a partir da gravação, com posteriores leituras do conteúdo. Trabalhados a luz da literatura consultada, os resultados advindos da caracterização dos sujeitos da pesquisa estão apresentados em tabelas, quanto a doação de sangue e as razões e motivos de retorno como doadores voluntários especiais, estão dispostos em categorias empíricas.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
- Razões e motivos determinantes na decisão de ser um doador voluntário especial.
Sendo a doação a única maneira para a obtenção do sangue, tão necessário a manutenção de vidas, e um ato que envolve uma gama de emoções e pré-concepções, procuramos evidenciar os motivos e razões que levaram um doador de reposição a tornar-se doador voluntário de sangue.
Nas entrevistas foi possível perceber razões e motivos ligados a: solidariedade, benefícios, retribuição, responsabilidade cidadã, medo e a receptividade do serviço, permeando as respostas dos doadores, e estão representadas nas categorias abaixo.
• Solidariedade
Aqui, temos falas em que o significado da doação encontra-se permeado do sentimento de solidariedade dos doadores.
[...] a primeira vez não deu pra ajudar como eu queria [o paciente faleceu], então voltei com o objetivo de ajudar outros [...] incentivar também quem não doa[...] (D.02).
A solidariedade de poder, com o meu sangue, salvar a vida de alguém (D.08).
[...] de ajudar a quem precisam quem está doente[...] (D.05).
Um ato voluntário advém da consciência de que como ser humano se pode abraçar uma causa social, promovendo-a e levando ações e soluções a problemas coletivos e/ou individuais.
Faz parte da política nacional do Ministério da Saúde usar em meios de comunicação de massa o slogan “Solidariedade tá no sangue da gente, Doe sangue, doe vida”. Afirma Givisiez (1993) que a comunicação é a divulgação de conhecimentos, e a interação entre a mensagem e comunidade, é uma estratégia de recrutamento de doadores, e pode ser repassada de maneira escrita e visual com slogans e logotipos.
A solidariedade evidenciada nos resultados vem demonstrar a influência dos meios de comunicação sobre a comunidade. A televisão é especialmente eleita como palco principal das Campanhas de Doação de Sangue, dado seu grande alcance populacional. São utilizados propagandas com slogans e logotipos, além de cenas em novelas e filmes, embora muitas vezes o processo de doação exposto não seja condizente com a realidade, onde o doador sempre aparece como um herói, incentivando o ato da doação.
• Benefícios
Outro item citado foi o de benefícios advindos da doação, e que podemos verificar nos relatos.
[...] vi os benefícios que traz [a doação] através da leitura, físicos e psicologicamente por estar ajudando uma pessoa (D.03).
[...] estou ajudando os outros e um dia caso precise, o Hemoce libera o sangue pra mim ou pra minha família (D.06).
[...] foi difícil arrumar gente pra doar pro meu irmão, aí resolvi ficar doando direto porque quando eu precisar, já tem, e se eu não precisar, outra pessoa usa [...] (D.05).
O fato de ser beneficiado de alguma maneira, muitas vezes é forte fator na decisão de alguém, e isto se torna evidente nas falas.
Porém, no primeiro depoimento, os benefícios são tidos como de realização pessoal, de sentir-se útil, além do fator manutenção da saúde. Já nas falas que se seguem, percebe-se um sentimento um tanto individualista, em que se pensa antes em si e na sua possível necessidade.
A doação segundo Brasil (2002) deve ser voluntária, anônima, altruísta e não remunerada. Em alguns casos dos citados acima o termo altruísmo não é devidamente empregado.
• Retribuição
O termo retribuição esteve presente em apenas um dos relatos, como se vê a seguir.
[...] o carinho com que as pessoas doaram para o meu tio foi o que me fez voltar e doar até pra quem não conheço [...] foi a forma que eu achei de retribui. (D.01).
A retribuição está relacionada a uma ação anterior, que nesses casos certamente leva o beneficiado a uma reflexão de suas ações, que possivelmente possa resultar em conscientização da importância de uma causa.
Diz Xavier (2002) que o nosso comportamento é comunicação e pode influenciar o outro, propiciando a estes orientação com uma possível contribuição para a fidelização de doadores.
• Responsabilidade cidadã
Vejamos a seguir alguns trechos significativos no tocante a responsabilidade cidadã dentre os doadores estudados.
[...] via nos hospitais onde trabalhei a agonia dos parentes de quem precisava receber sangue, também passei por isso [...] e continuo doando sempre e cumprindo o meu papel de cidadã (D.04.)
[...] a vontade de ajudar e estar fazendo a minha parte como pessoa cidadã (D.06).
Pensar assim é ter consciência da responsabilidade sobre o estoque de sangue necessário a comunidade em que se vive. Segundo Xavier (2002), o modo como o indivíduo interage na comunidade interfere na doação de sangue, pois é através desta relação que decorre a influencia e motivação para suas ações.
• O medo sanado
Este tipo de sentimento permeia um trecho da entrevista de um doador, como se segue no seguinte relato.
[...] vi depois que doei a primeira vez que não
precisa ter medo, que antes eu tinha, da agulha, de ficar fraco, mais não é nada disso [...] não faz medo nenhum (D.08).
Nota-se que o medo esteve relacionado, neste caso, ao desconhecimento, além do receio de enfrentar uma situação inédita.
De acordo com Llacer (1995) os doadores brasileiros justificam o fato de não doarem devido ao medo de adquirir algumas doenças e o medo da picada da agulha.
Explica Xavier (2002), que uma boa relação interpessoal e escuta atenta ao doador pode minimizar, ou mesmo acabar com ansiedades e medos. Reforça Givisiez (1993) que para conscientizá-los da importância de doar sangue, é preciso orientar no sentido de desmistificar tabus e dissipar ansiedades e medos no tocante a doação.
• A receptividade no serviço
O fato de ser bem recebido em um serviço foram um dos itens de relevância na resposta dos entrevistados.
[...] o atendimento no serviço deixa você a
vontade pra volta (D.02).
[...] a gente é muito bem tratado aqui, não faz medo nenhum (D.08).
As falas evidenciam um sentimento de acolhimento do doador em relação a instituição onde fora atendido.
De acordo com Xavier (2002) a forma como os doadores avaliam a experiência vai influenciar na decisão de voltar ou não a doar sangue e motivar quem os rodeia, daí a importância da interação entre doador e equipe na fidelização de doadores de sangue.
Durante todo o processo de doação, a enfermagem acompanha o doador. Cada vez mais atuante, prestando uma assistência qualitativa e humanizada, promove a interação necessária, informando e evidenciando a importância do doador para uma futura auto-suficiência em sangue.
CONSIDERAÇÃOES FINAIS
As razões e motivos que levaram os doadores em optarem por se tornarem doadores especiais estiveram permeados com os termos: solidariedade, benefícios, retribuição, responsabilidade cidadã, medo sanado e receptividade do serviço.
Evidencia-se assim, que sentimentos humanísticos como solidariedade, retribuição e responsabilidade como cidadão, estão diretamente relacionados ao desprendimento de doar-se o que se tem, baseado no altruísmo, como estabelece a Lei do Sangue.
A evidência do fator medo nos resultados só vem reforçar que o desconhecimento e a desinformação podem culminar no desperdício do potencial humano, não estritamente no que diz respeito a doação de sangue, mais no leque de opções oferecidos pela vida.
O fato da receptividade no serviço ser colocada como uma causa de retorno, certamente está relacionada a atuação multiprofissional diante do doador. É indispensável aqui citar a evidente importância da enfermagem, que na referida instituição representa maioria no quadro de funcionários. Enfatizando assim, a enfermagem como maior promotora na fidelização de doadores de sangue, pois está sempre presente ao lado do doador durante o processo de doação.
Tendo como realidade nacional a insuficiência em sangue, e este proveniente da doação de outras pessoas somente, é incontestável a importância das campanhas de captação e fidelização dos atores sociais, responsáveis pela manutenção de sangue em qualidade e quantidade necessárias aos estoques nas unidades hemoterápicas. Usando de um ato voluntário, altruísta e consciente, beneficiando inúmeras vidas.
A expectativa é de que outros estudos mais abrangentes possam ser realizados nessa linha, servindo assim de elementos para intervenções efetivas em nossa realidade, como este se propôs, tendo por finalidade a auto-suficiência em sangue.
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Sobre os autores:
1. Emiliana Bezerra Gomes é professora do Curso de Especialização em Enfermagem da Universidade Regional do Cariri.
2. Evanira Rodrigues Maia é Enfermeira, Professora da Universidade Regional do Cariri. (evanira@bol.com.br).
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